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Mídia
e emagrecimento: estratégias discursivas da revista Capricho
Prof. Giane Moliari Amaral Serra*
Introdução
A
obesidade vem crescendo cada vez mais entre todas as faixas etárias.
Paralelamente a este crescimento, também intensifica-se
a busca de uma estética corporal socializada, àquela
do indivíduo esguio e esbelto, que tem levado indivíduos
a desenvolverem transtornos psicológicos ligados a alimentação.
O
adolescente constitui um grupo marcado por esta problemática.
Pois, de um lado é estimulado a consumir um modus vivendi
moderno e descontraído, através da adoção
da prática alimentar do tipo fast food , o que pode leva-lo
ao aumento de peso, pelo excesso de gorduras e carboidratos. E
de outro lado, é incentivado a experimentar diversos mecanismos
que prometem um corpo ideal.
Os
meios de Comunicação, em especial as revistas, veiculam
ou produzem notícias, representações e expectativas
nos indivíduos com propagandas, informações
e noticiário que vendem estas práticas ( fast food
e produtos diet e light). Sob a ótica da ciência
da nutrição estas práticas alimentares, nem
sempre, consideram a promoção da saúde dos
indivíduos, pelo contrário, interesses mercadológicos
e comerciais estão presentes na divulgação
destas práticas.
Mediante
este cenário e preocupados com a saúde dos adolescentes,
alvo deste mercado do corpo, objetivamos analisar e compreender
as estratégias discursivas adotadas pela mídia quanto
às práticas alimentares de emagrecimento divulgadas
na revista CAPRICHO, revista de maior circulação
entre os adolescentes (Instituto Verificador do rio de Janeiro-
IVC/RIO,1998), centrando-se na produção dos sentidos
e significados destes discursos.
Metodologia
Este
estudo é de natureza qualitativa, descritiva e exploratória.
Foram analisadas 19 revistas do ano de 1999, que continham matérias
ligadas à temática.
A
abordagem metodológica foi a análise de discurso,
que considera como produtos culturais, textos e/ou outros sistemas
semióticos, como imagens, no interior de práticas
sociais contextualizadas histórica e socialmente. A análise
deve ser dependente do contexto, descritivo, explicativo e crítico,
mas também de avaliação da eficácia
do processo comunicativo imediato( Pinto, 1999).
Para
coleta de dados das matérias, elaborou-se uma grade analítica
considerando: o título da matéria, que segundo Gouazé
(apud LOPES, 1998) funcionam como uma propaganda, atraem a atenção,
colocam as questões que motivam a leitura e qualificam
a informação; a intermediação, que
normalmente, acontece valendo-se dos repórteres do veículo
midiático. Segundo , Benveniste (1989), o locutor, ao apropriar-se
do aparelho formal da língua enuncia sua posição
por índices específicos; quem fala, dependendo de
quem fala, o discurso pode adquirir maior ou menor legitimidade.
O discurso é o espaço em que o saber e o poder se
articulam, pois quem fala, fala de algum lugar e com base em um
direito reconhecido institucionalmente (Braga,1999); o que fala,
por meio deste item podemos observar os significados e sentidos
explícitos e/ou implícitos nos discursos sobre práticas
alimentares para emagrecimento num determinado contexto; qual(is)
o(s) modo(s) de dizer do discurso, ou seja como discurso se mostra
(constrói o referente ou universo de discurso do qual o
texto fala), como interage (estabelece os vínculos socioculturais
necessários para dirigir-se ao interlocutor) e como seduz
(distribui "afetividade" positiva e negativa). Estas
funções (mostração, interação
e sedução) se realizam de modo integrado, sendo,
apenas, didática a separação entre elas.
Resultado
da Análise
Em
relação aos títulos e subtítulos ,
estes referem-se ao discurso do réporter, que faz a intermediação
entre o veículo e o leitor.
Para
exemplificar a análise dos títulos e subtítulos
identificando também o papel da intermediação,
escolhemos um exemplo encontrado em uma das matérias analisadas.
Na
revista CAPRICHO de 23 de maio de 1999, no título: "A
coxinha é a rainha", o enunciado "A coxinha é
a" está na cor preta, o tipo de letra é bastão
com o detalhe do pingo do "i" da palavra coxinha que
é a própria imagem de uma coxinha. O mesmo detalhe
do pingo do "i" acontece na palavra rainha, mas encontra-se
na cor da própria coxinha.
O
subtítulo está em negrito e diz: "Qual o seu
lanche preferido na escola? Durante um mês, fizemos essa
pergunta a várias meninas do país. A coxinha foi
a preferência nacional." É titulo de matéria
de cinco páginas.
O
discurso fala de preferências, confere certa individualidade
do gosto, mas, ao mesmo tempo, homogeneíza, pois coloca
a coxinha como a rainha e a preferida nacionalmente. Esta é
uma estratégia da mídia para influenciar na escolha
e preferência dos alimentos, pois dizer que apontar a coxinha
como lanche socialmente difundido, quer dizer que quem não
come coxinha está por "fora". O gosto, segundo
Bourdieu ( 1994), parece, aparentemente, uma opção
voluntária do indivíduo, mas forma a base do estilo
de vida das práticas sociais e funciona simbolicamente
como sinal de posição social, status e distinção.
Este
discurso dá a palavra não só ao repórter,
mas também ao público: traz depoimentos de preferências
de lanches das adolescentes e utiliza esta estratégia da
mídia para minimizar a distância do discurso midiático
com o leitor, ou seja, faz do leitor o sujeito do discurso.
O
discurso midiático lança uma incoerência nítida
para as adolescentes, no momento em que mostra como lanche preferido
uma preparação rica em calorias que, conseqüentemente,
engorda. Mostra também, por meio de imagens, modelos com
corpos magros e esbeltos e cria, dessa forma, um conflito: "comer
a coxinha ou procurar me manter magra e esbelta como os padrões
divulgados pela revista?"
Quanto
a quem fala, os atores sociais são variados. Médicos
e artistas, aparecem em seis matérias cada. Outros sujeitos
que falam são os professores de educação
física e os nutricionistas, estes dois profissionais com
quatro participações. Observamos também,
a participação de adolescentes e de psicólogo.
Em
relação ao que é falado e como o discurso
se mostra, interage e seduz o público leitor - Nas matérias
analisadas os discursos dos especialistas, ou seja, os discursos
técnicos - científicos, se mostram através
do poder da ciência em produzir certezas e verdades.
Quanto
à interação, estes discursos, por meio de
seus interlocutores, criam vínculos socioculturais com
o público leitor disponibilizando seu conhecimento científico
e introjetando a idéia de homem saudável, equilibrado,
controlado e racional, "... o ideal é comer pouco
e muitas vezes ao dia. Equilibrando as porções e
os tipos de alimentos, dá pra comer bem sem exagerar. (Nutricionista,
revista capricho de 25 de abril de 1999)
Para
cumprir a função de sedução, o discurso
técnico-científico trabalha a concepção
de moral do certo e errado, "Em relação ao
IMC: você mesma pode calcular e ver se o seu peso está
ou não comprometendo sua estética e sua saúde."(
Médico- revista capricho de 25 de abril de 1999).
Observamos
a maneira como o especialista transfere para a cliente/paciente
a responsabilidade de autocontrolar-se. Ele, o especialista, não
deixa de se apoiar em um instrumento científico (o Índice
de Massa Corporal- IMC) para que a paciente se convença
da necessidade e da sua própria capacidade de se autovigiar.
Os sentidos e significados mais encontrados nos discursos dos
especialistas são: autonomia /controle
Quando
o enunciador é representado por um artista, não
basta só a "fala", é primordial a sua
imagem corporal, que passa a ser o discurso. A imagem que o artista
transmite de estilo de vida ideal, perfeita, cria a interação
com o público, ao mesmo tempo em que a imagem também
seduz através do desejo que desperta nas pessoas de mimetizar
artistas famosos e bem sucedido. Estes discursos compõem
e recriam a cultura individualista e subjetiva do final do século
XX. O universo do discurso é o meio artístico/imagético,
lugar reconhecido pelos indivíduos como lugar da fama,
do sucesso, econômico e social.
Os
discursos sócio-estéticos apregoam a autonomia do
indivíduo, a praticidade, a rapidez/eficiência, entre
outros significados e sentidos encontrados nos discursos dos artistas.
Destacamos como exemplo:"Faço meu próprio sanduíche
quando estou com fome" (Rodrigo Faro - revista Capricho de
29 de agosto de 1999). Neste exemplo, o verbo "fazer"
é utilizado na primeira pessoa, acompanhado do pronome
"meu". Fica assim, demarcados o sentido de autonomia
e poder, ratificando os valores culturais da individualidade e
da independência.
Quando
o enunciador é o próprio adolescente, ele além
de ter a sua imagem corporal divulgada na matéria, fala
para iguais e, conseqüentemente, seu discurso é reconhecido.
Desta forma, o referente e/ou universo do discurso é o
próprio momento da adolescência, em geral, uma fase
em que os indivíduos se identificam bastante, pois vivem
dilemas, anseios, angústias e desejos parecidos.
Os
discursos dos adolescentes apresentam formações
discursivas dos dois tipos: técnico-científico e
sócio-estético, "Só consegui emagrecer
quando um médico limitou minhas refeições
a 1200 calorias por dia". ( revista capricho de 19 de dezembro
de 1999) e "...o mercado ( em relação a um
concurso de top model) é muito competitivo, se eu comer
o chocolate hoje, vou dar chance para outra passar na minha frente."(revista
capricho de 24 de outubro de 1999).
Os
sentidos e significados mais presentes nos discursos dos adolescentes,
são: competição e decepção,
controle, dificuldades, radicalismos, proibição,
dúvidas, medo, sofrimento, insatisfação.
Considerações
finais e recomendações
Fundando-se
nos resultados, podemos tecer algumas considerações.
O conteúdo do discurso da revista Capricho, mostra-se de
cunho informativo, mas nem sempre pode ser tomado como base. O
fato de ser informativo, não significa que seja adequado,
científico, saudável. O discurso midiático
é ambíguo e pode ser capcioso.
O
profissional de saúde e nutrição não
pode estar alheio ao que se passa no mercado midiático,
particularmente em se tratando de adolescentes, sob o risco de
incorrer numa alienação e num afastamento do público/cliente
a quem atende. De nada adianta prescrever dietas, divulgar práticas
alimentares saudáveis descontextualizadas da forte influência
que este público recebe da mídia.
Enfim,
ressaltamos a importância da dimensão educativa da
prática dos profissionais de saúde e nutrição.
Informar e orientar adolescentes em relação aos
seus hábitos alimentares é um desafio que se impõe
àqueles que acreditam que o corpo pode e deve ser pensado
em suas múltiplas dimensões, não se restringindo
a padrões modulares estéticos.
Referências
bibliográficas
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de Lingüística Geral II. Campinas: Pontes.
BOURDIEU, P., 1994 b. Gostos de
Classes e Estilos de Vida. In:Pierre Bourdieu (Ortiz, R., org.),
pp 82-121,São Paulo: Ática.
BRAGA, W. D., 1999. Ciência
e Mídia: a legitimação de um mito perigoso.
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Universidade Federal do Rio de Janeiro.
FOCAULT, M., 1999 (1971). A
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LOPES, P. F. C., 1998. Corpos (em)
Cena: A Construção do Discurso Midiático
sobre a Noção de Saúde e de Risco a Quatro
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Rio de Janeiro: Escola de Comunicação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
PINTO, M. J., 1999. Comunicação
e Discurso. São Paulo: Hacker Editores.
PORTO, S.D., 1997. A Esquerda Esquecida
de Fernando Henrique Cardoso: um método. In: O jornal
- da forma ao sentido ( Mouillaud, M. ,Porto,S.D.org.), pp.363-380,
Brasília: Paralelo 15.
VÉRON,
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discours de la presse écrite. In: SémiotiqueII.
Paris: IREP.
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Prof. Giane Moliari Amaral
Serra
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