Volume 1
Número 1

20 de dezembro de 2004
 
 * Edição atual    

          Mídia e emagrecimento: estratégias discursivas da revista Capricho

Prof. Giane Moliari Amaral Serra*

          Introdução

          A obesidade vem crescendo cada vez mais entre todas as faixas etárias. Paralelamente a este crescimento, também intensifica-se a busca de uma estética corporal socializada, àquela do indivíduo esguio e esbelto, que tem levado indivíduos a desenvolverem transtornos psicológicos ligados a alimentação.

          O adolescente constitui um grupo marcado por esta problemática. Pois, de um lado é estimulado a consumir um modus vivendi moderno e descontraído, através da adoção da prática alimentar do tipo fast food , o que pode leva-lo ao aumento de peso, pelo excesso de gorduras e carboidratos. E de outro lado, é incentivado a experimentar diversos mecanismos que prometem um corpo ideal.

          Os meios de Comunicação, em especial as revistas, veiculam ou produzem notícias, representações e expectativas nos indivíduos com propagandas, informações e noticiário que vendem estas práticas ( fast food e produtos diet e light). Sob a ótica da ciência da nutrição estas práticas alimentares, nem sempre, consideram a promoção da saúde dos indivíduos, pelo contrário, interesses mercadológicos e comerciais estão presentes na divulgação destas práticas.

          Mediante este cenário e preocupados com a saúde dos adolescentes, alvo deste mercado do corpo, objetivamos analisar e compreender as estratégias discursivas adotadas pela mídia quanto às práticas alimentares de emagrecimento divulgadas na revista CAPRICHO, revista de maior circulação entre os adolescentes (Instituto Verificador do rio de Janeiro- IVC/RIO,1998), centrando-se na produção dos sentidos e significados destes discursos.

          Metodologia

          Este estudo é de natureza qualitativa, descritiva e exploratória. Foram analisadas 19 revistas do ano de 1999, que continham matérias ligadas à temática.

          A abordagem metodológica foi a análise de discurso, que considera como produtos culturais, textos e/ou outros sistemas semióticos, como imagens, no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente. A análise deve ser dependente do contexto, descritivo, explicativo e crítico, mas também de avaliação da eficácia do processo comunicativo imediato( Pinto, 1999).

          Para coleta de dados das matérias, elaborou-se uma grade analítica considerando: o título da matéria, que segundo Gouazé (apud LOPES, 1998) funcionam como uma propaganda, atraem a atenção, colocam as questões que motivam a leitura e qualificam a informação; a intermediação, que normalmente, acontece valendo-se dos repórteres do veículo midiático. Segundo , Benveniste (1989), o locutor, ao apropriar-se do aparelho formal da língua enuncia sua posição por índices específicos; quem fala, dependendo de quem fala, o discurso pode adquirir maior ou menor legitimidade. O discurso é o espaço em que o saber e o poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar e com base em um direito reconhecido institucionalmente (Braga,1999); o que fala, por meio deste item podemos observar os significados e sentidos explícitos e/ou implícitos nos discursos sobre práticas alimentares para emagrecimento num determinado contexto; qual(is) o(s) modo(s) de dizer do discurso, ou seja como discurso se mostra (constrói o referente ou universo de discurso do qual o texto fala), como interage (estabelece os vínculos socioculturais necessários para dirigir-se ao interlocutor) e como seduz (distribui "afetividade" positiva e negativa). Estas funções (mostração, interação e sedução) se realizam de modo integrado, sendo, apenas, didática a separação entre elas.

          Resultado da Análise

          Em relação aos títulos e subtítulos , estes referem-se ao discurso do réporter, que faz a intermediação entre o veículo e o leitor.

          Para exemplificar a análise dos títulos e subtítulos identificando também o papel da intermediação, escolhemos um exemplo encontrado em uma das matérias analisadas.

          Na revista CAPRICHO de 23 de maio de 1999, no título: "A coxinha é a rainha", o enunciado "A coxinha é a" está na cor preta, o tipo de letra é bastão com o detalhe do pingo do "i" da palavra coxinha que é a própria imagem de uma coxinha. O mesmo detalhe do pingo do "i" acontece na palavra rainha, mas encontra-se na cor da própria coxinha.

          O subtítulo está em negrito e diz: "Qual o seu lanche preferido na escola? Durante um mês, fizemos essa pergunta a várias meninas do país. A coxinha foi a preferência nacional." É titulo de matéria de cinco páginas.

          O discurso fala de preferências, confere certa individualidade do gosto, mas, ao mesmo tempo, homogeneíza, pois coloca a coxinha como a rainha e a preferida nacionalmente. Esta é uma estratégia da mídia para influenciar na escolha e preferência dos alimentos, pois dizer que apontar a coxinha como lanche socialmente difundido, quer dizer que quem não come coxinha está por "fora". O gosto, segundo Bourdieu ( 1994), parece, aparentemente, uma opção voluntária do indivíduo, mas forma a base do estilo de vida das práticas sociais e funciona simbolicamente como sinal de posição social, status e distinção.

          Este discurso dá a palavra não só ao repórter, mas também ao público: traz depoimentos de preferências de lanches das adolescentes e utiliza esta estratégia da mídia para minimizar a distância do discurso midiático com o leitor, ou seja, faz do leitor o sujeito do discurso.

          O discurso midiático lança uma incoerência nítida para as adolescentes, no momento em que mostra como lanche preferido uma preparação rica em calorias que, conseqüentemente, engorda. Mostra também, por meio de imagens, modelos com corpos magros e esbeltos e cria, dessa forma, um conflito: "comer a coxinha ou procurar me manter magra e esbelta como os padrões divulgados pela revista?"

          Quanto a quem fala, os atores sociais são variados. Médicos e artistas, aparecem em seis matérias cada. Outros sujeitos que falam são os professores de educação física e os nutricionistas, estes dois profissionais com quatro participações. Observamos também, a participação de adolescentes e de psicólogo.

          Em relação ao que é falado e como o discurso se mostra, interage e seduz o público leitor - Nas matérias analisadas os discursos dos especialistas, ou seja, os discursos técnicos - científicos, se mostram através do poder da ciência em produzir certezas e verdades.

          Quanto à interação, estes discursos, por meio de seus interlocutores, criam vínculos socioculturais com o público leitor disponibilizando seu conhecimento científico e introjetando a idéia de homem saudável, equilibrado, controlado e racional, "... o ideal é comer pouco e muitas vezes ao dia. Equilibrando as porções e os tipos de alimentos, dá pra comer bem sem exagerar. (Nutricionista, revista capricho de 25 de abril de 1999)

          Para cumprir a função de sedução, o discurso técnico-científico trabalha a concepção de moral do certo e errado, "Em relação ao IMC: você mesma pode calcular e ver se o seu peso está ou não comprometendo sua estética e sua saúde."( Médico- revista capricho de 25 de abril de 1999).

          Observamos a maneira como o especialista transfere para a cliente/paciente a responsabilidade de autocontrolar-se. Ele, o especialista, não deixa de se apoiar em um instrumento científico (o Índice de Massa Corporal- IMC) para que a paciente se convença da necessidade e da sua própria capacidade de se autovigiar. Os sentidos e significados mais encontrados nos discursos dos especialistas são: autonomia /controle

          Quando o enunciador é representado por um artista, não basta só a "fala", é primordial a sua imagem corporal, que passa a ser o discurso. A imagem que o artista transmite de estilo de vida ideal, perfeita, cria a interação com o público, ao mesmo tempo em que a imagem também seduz através do desejo que desperta nas pessoas de mimetizar artistas famosos e bem sucedido. Estes discursos compõem e recriam a cultura individualista e subjetiva do final do século XX. O universo do discurso é o meio artístico/imagético, lugar reconhecido pelos indivíduos como lugar da fama, do sucesso, econômico e social.

          Os discursos sócio-estéticos apregoam a autonomia do indivíduo, a praticidade, a rapidez/eficiência, entre outros significados e sentidos encontrados nos discursos dos artistas. Destacamos como exemplo:"Faço meu próprio sanduíche quando estou com fome" (Rodrigo Faro - revista Capricho de 29 de agosto de 1999). Neste exemplo, o verbo "fazer" é utilizado na primeira pessoa, acompanhado do pronome "meu". Fica assim, demarcados o sentido de autonomia e poder, ratificando os valores culturais da individualidade e da independência.

          Quando o enunciador é o próprio adolescente, ele além de ter a sua imagem corporal divulgada na matéria, fala para iguais e, conseqüentemente, seu discurso é reconhecido. Desta forma, o referente e/ou universo do discurso é o próprio momento da adolescência, em geral, uma fase em que os indivíduos se identificam bastante, pois vivem dilemas, anseios, angústias e desejos parecidos.

          Os discursos dos adolescentes apresentam formações discursivas dos dois tipos: técnico-científico e sócio-estético, "Só consegui emagrecer quando um médico limitou minhas refeições a 1200 calorias por dia". ( revista capricho de 19 de dezembro de 1999) e "...o mercado ( em relação a um concurso de top model) é muito competitivo, se eu comer o chocolate hoje, vou dar chance para outra passar na minha frente."(revista capricho de 24 de outubro de 1999).

          Os sentidos e significados mais presentes nos discursos dos adolescentes, são: competição e decepção, controle, dificuldades, radicalismos, proibição, dúvidas, medo, sofrimento, insatisfação.

          Considerações finais e recomendações

          Fundando-se nos resultados, podemos tecer algumas considerações. O conteúdo do discurso da revista Capricho, mostra-se de cunho informativo, mas nem sempre pode ser tomado como base. O fato de ser informativo, não significa que seja adequado, científico, saudável. O discurso midiático é ambíguo e pode ser capcioso.

          O profissional de saúde e nutrição não pode estar alheio ao que se passa no mercado midiático, particularmente em se tratando de adolescentes, sob o risco de incorrer numa alienação e num afastamento do público/cliente a quem atende. De nada adianta prescrever dietas, divulgar práticas alimentares saudáveis descontextualizadas da forte influência que este público recebe da mídia.

          Enfim, ressaltamos a importância da dimensão educativa da prática dos profissionais de saúde e nutrição. Informar e orientar adolescentes em relação aos seus hábitos alimentares é um desafio que se impõe àqueles que acreditam que o corpo pode e deve ser pensado em suas múltiplas dimensões, não se restringindo a padrões modulares estéticos.

          Referências bibliográficas

BENVENISTE, E.,1989. Problemas de Lingüística Geral II. Campinas: Pontes.

BOURDIEU, P., 1994 b. Gostos de Classes e Estilos de Vida. In:Pierre Bourdieu (Ortiz, R., org.), pp 82-121,São Paulo: Ática.

BRAGA, W. D., 1999. Ciência e Mídia: a legitimação de um mito perigoso. Publicação da Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

FOCAULT, M., 1999 (1971). A Ordem do Discurso. São Paulo: edições Loyola- 5ª edição.

LOPES, P. F. C., 1998. Corpos (em) Cena: A Construção do Discurso Midiático sobre a Noção de Saúde e de Risco a Quatro anos do Século XXI. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

PINTO, M. J., 1999. Comunicação e Discurso. São Paulo: Hacker Editores.

PORTO, S.D., 1997. A Esquerda Esquecida de Fernando Henrique Cardoso: um método. In: O jornal - da forma ao sentido ( Mouillaud, M. ,Porto,S.D.org.), pp.363-380, Brasília: Paralelo 15.

VÉRON, E., 1983. Quand lire c`est faire: Lènonciation dans le discours de la presse écrite. In: SémiotiqueII. Paris: IREP.

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Prof. Giane Moliari Amaral Serra

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