Wilson da Costa Bueno*
Matéria publicada
no dia 9 de abril de 2007 no Jornal do Commercio/RJ escancara
a verdadeira intenção de determinadas empresas
farmacêuticas: aumentar a demanda por medicamentos
para melhorar o seu desempenho. Traduzindo em bom Português:
quer incentivar o consumo de remédios para aumentar
os seus lucros.
A repórter Verônica
Bachini, que assina a reportagem, nem se preocupou em disfarçar
a intenção da empresa (a Boehringer Ingelheim
do Brasil) e já no título destacou de maneira
contundente: “Farmacêutica muda estratégia
de vendas para gerar demanda.” Perfeito, transparente,
sem meias palavras. É exatamente isso.
As empresas que constituem
a chamada BigPharma (as gigantes da indústria da
saúde), como tem sido constantemente repetido (e
denunciado) investem mais em marketing/propaganda do que
em pesquisa e desenvolvimento e estão, na verdade,
prioritariamente preocupadas com o seu bolso, não
com o coração, o fígado ou pulmão
de todos nós. Por isso empenham-se em desencadear
estratégias agressivas para incentivar a medicalização,
a auto-medicação , o consumo desnecessário
de medicamentos, sem que as autoridades, aqui e lá
fora, demonstrem competência para inibir a ganância
de sua direção e de seus investidores.
A Boehringer Ingelheim (o
nome é difícil mas a estratégia simples
demais) já decidiu: quer aumentar as vendas, os lucros
e fará o possível para convencer as pessoas
a ingerirem suas pílulas mágicas. Está
na matéria:
“Apostando na propaganda,
o laboratório vai aumentar o quadro de funcionários
– atualmente é composto por mil pessoas –
com a contratação de 50 promotores para atuar
nos pontos de venda do País e divulgar principalmente
as marcas mais famosas da empresa, que tiveram queda na
comercialização em 2006”. (Jornal do
Commercio/RJ, 09/04/2007, p. B4) Ou seja, vem chumbo grosso
por aí.
A estratégia mercadológica
da empresa não difere em nada das empreendidas por
grandes empresas do setor que invadem inclusive as faculdades
de Medicina e os consultórios médicos visando
obter novos “vendedores” para seus produtos
e que empreendem lobby poderoso para aumentar a venda para
o Governo (a Boehringer Ingelheim também destaca
na matéria a intenção de agir nesse
sentido).
A relação pouco
ética entre laboratórios e profissionais da
saúde (saudemos a maioria destes profissionais que
resiste a esta investida) tem sido denunciada inclusive
por entidades da área, preocupadas com o assédio
das farmacêuticas.
A Anvisa tem recorrentemente
revelado a desobediência das campanhas publicitárias
da BigPharma à legislação brasileira,
sobretudo em virtude da sua não transparência
e incentivo à medicalização, mas, ao
que parece, as empresas, tendo em vista a inoperância
da Justiça nesses casos e as multas reduzidas, preferem
cometer as infrações e continuar vendendo
muito. Embutem já a multa no custo de suas campanhas
publicitárias e continuam, muitas delas, se proclamando
como socialmente responsáveis (cinismo empresarial
dos bons).
Por isso, não estranhe
quando, em um consultório médico, perceber
que alguns moços bem arrumados, saudáveis
e sorridentes, “furam a fila das consultas”
e são recebidos entusiasticamente por determinados
profissionais (estamos falando de médicos mesmo).
Eles integram o batalhão de promotores dos laboratórios,
estão ali para propagar remédios e têm,
pelo que se vê, conseguido o seu intento. O negócio
deles é, entre outras coisas (será a principal?)
gerar demanda, aumentar as vendas. Não se pode culpá-los
por fazerem o seu trabalho com competência. São
bem treinados e ganham bem para isso.
O marketing farmacêutico
, as ações propagandísticas da indústria
da saúde em geral precisam ser controladas melhor.
Não se pode entregar a saúde dos cidadãos
à ganância de determinadas empresas (as que
julgam que não estão incluídas nesse
caso, não precisam se preocupar). As exceções
devem existir, mas elas só confirmam a regra: a saúde
aqui é o que menos importa.
A persistirem os sintomas,
consulte a sua consciência ou chame a polícia.
Se tiver um tempinho, assista ao filme O jardineiro
fiel. Vai descobrir que, nesse caso, a realidade
é ainda pior do que a ficção. No fundo,
somos todos cobaias da BigPharma. E aqui neste negócio
não tem amostra grátis.
*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP, onde
ministra a disciplina Jornalismo e saúde. Diretor
da Comtexto Comunicação e Pesquisa